sábado, 21 de julho de 2012

Quando o pouco é muito

Vanessa Coutinho

   Amanda tem dez anos. Apresenta um quadro psiquiátrico que dificulta muito a permanência prolongada no interior do consultório. Em geral eu consigo assegurá-la, e o atendimento se dá sem maiores dificuldades, embora, de vez em quando, ela manifeste seu desejo de sair.
   Na última sessão foi impossível entrar. Como meu consultório fica em uma instituição com grande área externa, vegetação, laguinho com peixes e outros atrativos, além de oferecer segurança, resolvi apostar em um atendimento do lado de fora da sala.
   Andamos muito, para todos os lados. Falamos muito pouco. Mas, onde quer que ela fosse, lá estava eu ao seu lado.
   Em determinado momento, sentamos em frente a uma parede feita de pedras, onde se movimentava uma família de pequenos lagartinhos. Amanda ficou atenta, e começou a nomear: "aquele é grande e gordo. Deve ser o pai. Aquela outra deve ser a mãe..." 
   Até que falou:
   - Meu pai não gosta de mim.
   - O que você disse?
   - Nada.
   - Você disse que acredita que seu pai não goste de você? Por quê?
   - Porque ele não tem orgulho de mim.

                                                          


   O pai de Amanda é professor, e a queixa principal da família se refere ao fato de que está ficando difícil para ela acompanhar a turma do colégio (regular), e, possivelmente, será necessária uma reavaliação de sua situação escolar.
   Tentei continuar o diálogo, mas Amanda se fechou. Não insisti. Por vezes é preciso dar valor ao "pouco que é muito" na situação terapêutica. Tive também o cuidado de não reafirmar que o pai não gostava dela, e sim dizer que ela acreditava nisso. Era uma percepção subjetiva, e como tal precisava ser ouvida, entendida e trabalhada. E o silêncio é uma forma de trabalho.
   E assim, juntas e em silêncio, voltamos a observar a família de lagartos.

2 comentários:

  1. Maior barato é essa sua sensibilidade clínica de lidar com seus pequenos pacientes (e os grandões também). Ampliar o enquadre e fazer uso do espaço público às vezes é libertador para ambos os personagens da cena terapêutica. Assim como o Pinóquio que se atrapalha mais quer um dia virar menino de verdade, o Grilo Falante (seu acompanhante) está sempre presente e sabe também fazer silêncio.

    Flavio Vieira (Psicólogo clínico e Acompanhante Terapêutico)

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    1. Flavio,fico muito feliz com seu comentário. Há tempos esperava uma participação sua no blog!
      Quero te ver mais vezes por aqui.

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