quinta-feira, 12 de julho de 2012

Renato

Vanessa Coutinho

   Não são poucas as vezes em que agradeço a Deus por me ter feito trilhar o caminho que leva ao ofício de terapeuta. A oportunidade privilegiada de ouvir histórias carregadas de afeto, favorece a que, a cada dia, surja uma nova chance de, como me disse várias vezes o terapeuta freudiano Flavio Vieira, aumentar o "ângulo de visão" diante da grandeza da vida.
   Dia desses, ouvi um relato, ao mesmo tempo comovente e forte, que ficou longos períodos a me visitar e provocar.
   Um menino de doze anos estava com uma doença com grandes chances de levar à morte. Foi-lhe proposto que tentasse um procedimento cirúrgico, que o deixaria desfigurado. Sem o procedimento, a chance de sobreviver seria zero. Com o procedimento, seria mínima. O menino, diante das assistentes sociais disse que não faria a cirurgia. Se era para morrer, morreria com a aparência que tinha naquele momento. Ao serem informados da decisão da criança, os médicos pensaram em buscar na justiça o direito de operá-lo contra a sua vontade. A equipe de "não-médicos", mais acostumada ao idioma do humano do que às quetões do corpo físico, conseguiu aplacar o "furor curador", e, enfim, foi resolvido que o menino, a quem chamarei Renato, não seria submetido ao processo desfigurante, e receberia os cuidados paliativos, que o ajudariam a viver seus últimos meses com o máximo de conforto.
   Escolhi chamá-lo de Renato porque ele renasceu, é um re-nato. Do alto da sabedoria de seus doze anos, esta criança sabia que, na verdade mais crua, ele estava condenado à morte, de qualquer forma. Também fez renascer, possivelmente, nos médicos, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros, um respeito e uma reverência à sabedoria interna que há dentro de cada um de nós, o Self. Em seu processo de individuação, que Renato teve apenas doze anos para trilhar, talvez tenha chegado mais longe do que muitos que vivem até os cem anos.
   A ele, minha admiração por sua força e coragem, de viver seu mito pessoal com dignidade e serenidade. Se trilhar o processo de individuação nos leva a um encontro com a saúde integral no fim do caminho, Renato já completou a jornada.
   E à vida, pelo imponderável e incontrolável, por sua força e beleza, mais uma vez, meus sinceros agradecimentos.

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