domingo, 14 de novembro de 2010

PSICOLOGIA E CINEMA

Da safra nacional "Durval Discos".
Leia uma parte da crítica de Marcelo Hessel:

A diferença entre um vinil e um compact-disc? Além de vasta vida útil, de capa e encartes enormes, o velho bolachão possui a vantagem de ser racionalmente dividido em duas partes, coisa que os CDs não têm, a elucidativa separação dos lados A e B. No primeiro ficam os hits potenciais, comerciais, no segundo as canções mais obscuras - alegria dos fãs - dificilmente incluídas em coleções "best-of".
Assim se explica, diante de um cliente, o simpático Durval (Ary França), o cabeludo dono de uma loja de LPs que dá nome a Durval Discos (2002), filme de estréia da diretora e roteirista Anna Muylaert. A sua inventividade aparece logo nos créditos de abertura: com um plano-sequência que vai e vem pela Rua Teodoro Sampaio (um dos redutos musicais de São Paulo), a câmera exibe os nomes do elenco e da equipe técnica impressos em máquinas de pinball, camisas de futebol, cardápios de boteco, lambe-lambes de poste...
... E estaciona em frente a um sobrado, onde a história começa. Ali, o solteirão Durval, personificação do Peter Pan que estacionou nos anos 70, vive com a mãe, Carmita (Etty Fraser), e administra a loja, cujas pérolas da MPB fazem da seleção musical a primeira das qualidades do filme. Mas, apesar da melodia, as coisas não andam bem no sobrado. Quando Carmita já não cozinha mais a sua carne com cenoura e diz que perdeu a receita daquele doce fantástico, Durval decide contratar uma empregada para conservar a saúde da mãe. Surgem então Célia (Letícia Sabatella), a nova empregada, e sua suposta filha, Kiki (Isabela Guasco).
Mas como todo vinil tem duas faces, o filme também surpreende ao mostrar o seu lado B, tão inquieto e instigante quanto qualquer lado B que se preze. Explicar mais seria covardia. Basta dizer que a segunda metade de Durval Discos tem um toque de Psicose (Psycho, de Alfred Hitchcock, 1960), com pitadas de non-sense, humor negro e uma certa brutalidade. A trilha sonora, a cargo de André Abujamra, agora alia Tim Maia e Jorge Ben com um incômodo compasso nervoso. 
A virada pode desagradar a audiência acostumada com comédias-família, mas, vista com sensibilidade, configura mais um ponto a favor da produção (não seria, afinal, graças ao lado A que Durval Discos sairia coroado da concorrida disputa do Festival de Gramado 2002 com sete prêmios). Ao fim da sessão, mesmo com a melancolia das cenas derradeiras, fica a certeza de que o filme não celebra somente os colecionadores de discos, mas todos aqueles que cultivam alguma fantasia numa cidade impessoal e violenta como São Paulo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário