sexta-feira, 29 de outubro de 2010


PARA NÓS QUE SOMOS PROFESSORES - parte II

Por Vanessa Coutinho





 
Lembro perfeitamente de uma estudante de pós-graduação, que contou um fato ao qual não posso
deixar de reproduzir. Ela havia solicitado, na aula anterior, que seus alunos trouxessem uma redação
sobre algum tema que lhes interessasse muito. No dia de apresentá-la, ela sorteou alguns números da
pauta para que lessem em voz alta o que haviam produzido. E foi um festival de histórias sobre
parentes, amigos, férias, viagens, e outros temas comuns à adolescência. Por fim, um jovem pediu
para ler seu trabalho. Ao anunciar sobre o que escrevera, lançou um olhar para a professora,
certamente esperando que ela não permitisse a leitura, e vetasse sua história. Ele leria um ensaio,
fruto de uma extensa pesquisa pessoal, no qual narrava como se formou um dos maiores comandos
criminosos da cidade do Rio de Janeiro. Obviamente, essa história tinha, para ele, um significado além
da curiosidade investigativa. O que fazer depois, como transformar e ressignificar aquela tarefa, era
uma outra história. Democraticamente, era preciso deixá-lo falar, uma vez que seu tema, apesar de
polêmico (como ele sabia ser), não era desrespeitoso ou ofensivo a nenhum dos integrantes da turma
ou à professora. Esta, ao permitir que o aluno lesse e ao considerar sua voz, permitiu que um vínculo
se formasse. Se não tivesse permitido, romperia esse vínculo, talvez de maneira definitiva.
Paulo Freire nos fala sobre a concepção “bancária” da educação (aquela que enche o corpo
discente de conteúdos) como instrumento de opressão. Ao oprimir os alunos, achatá-los, aliená-los, o
docente acaba por se alienar também, isso é inevitável. Se existe uma porta que liga uma pessoa à
outra e essa porta é fechada, ambas encontram-se isoladas. Freire observa que o caráter mais
marcante da relação educador-educando é o de ser narradora, o que a torna quase morta. Um expõe
o saber sobre o qual muitas vezes não refletiu, apenas decorou e outros, passivamente, ouvem. Paulo Freire fala da existência uma quase enfermidade da narração, cuja  tônica seja preponderantemente narrar,
. Freire revela o absurdo de trazer assuntos totalmente alheios à realidade
existencial dos alunos. Pois bem, acredito que sejam também alheios à realidade existencial do
professor. Não há vida nem em um lado, nem em outro.
Jorge Sosa diz que ensinar e aprender não são meros atos impessoais, relacionam o sujeito com o
que de mais íntimo há em seu ser. Não podemos encarar a função docente com o olhar meramente
profissional. Acabamos tão implicados em uma trama inconsciente, que os afetos se apresentam e se
impõe, e se não estivermos atentos a isso, corremos o risco de sucumbir e adoecer. E até que ponto
os docentes são preparados para encarar esse desafio interno? Nas formações de terapeutas, a
todo momento é amplamente anunciada a necessidade de buscar sua própria terapia, buscar
supervisão, grupos de estudo, etc. E os professores? Não conheço nenhuma formação profissional
que explicite que o professor precisa fazer terapia, precisa se conhecer, precisa se cuidar
emocionalmente, precisa de um supervisor que o auxilie em momentos delicados como os relatados
acima. Dizem sim, que é preciso dominar a matéria, dominar a turma, dominar a didática, dominar,
dominar, dominar... Até que um dia surgem as crises de fobia, de pânico, de angústia. Por que
angústia se os planos de curso estão prontos? Por que pânico se o livro didático está sendo bem
utilizado? Por que fobia se conseguem responder a qualquer pergunta sobre a disciplina? Como canta
Caetano Veloso: “alguma coisa está fora da ordem...”

Um comentário:

  1. O aluno,o aprendiz, uma pessoa em processo terapêutico,ou mesmo alguém que depende educacionalmente de nós, sente muitas vezes a necessidade de testar o quanto aquele que com ele está lidando terá abertura suficiente para não se intimidar com assuntos dificultosos ou embaraçosos de se lidar.Cabe a quem esta na condução do fato, de certa forma surpreender a pessoa em questão,agindo de maneira mais natural possível e assim desarmar todos os tabus e deixa-lo admirado com sua reação.

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