quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Aconteceu numa sessão de arteterapia

Por Vanessa Coutinho

   Letícia é uma linda menina de 7 anos de idade. Estávamos em nossa primeira sessão e tudo ia bem até que ela perguntou: "Quanto tempo falta para terminar?". "Dez minutos." - respondi. Ela começou a ficar aflita, e finalmente, desabafou: "será que minha mãe vem me buscar?". Eu sabia que a mãe estava lá fora. Não tínhamos, eu e Letícia, desenvolvido ainda um laço suficientemente forte para que a responsável pudesse se ausentar. Então perguntei:
   - Por que ela não viria?
   - Às vezes eu acho que minha mãe me odeia. Só às vezes... Se ela não vier, você sabe me levar para casa?
   Sensibilizei-me profundamente diante daquele pedido de ajuda. Assegurei à menina que sua mãe estava lá fora e que não havia o risco de que não viesse buscá-la. Letícia, um pouco mais tranquila, mas não totalmente, falou das incontáveis vezes em que a mãe se atrasava para buscá-la na escola, no balé, na fono...
   Conversamos a respeito dessa angústia, desse fantasma do abandono. Apesar de ter sido avisada de que a mãe estava presente, a menina insistiu: "Se ela tiver ido embora você vai me levar para casa?".
   Percebi que ela precisava de algo além da informação concreta. Eu podia simplesmente abrir a porta e mostrar a ela que a mãe estava lá. Mas percebi que, paradoxalmente, naquele momento, isto seria pouco. Olhei em seu rosto e disse: "Letícia, você está aqui comigo. Não vou levar você para casa para te deixar sozinha. Vamos ficar juntas até você ir embora com sua mãe".
   Mesmo eu, adulta, terapeuta há mais tempo do que ela tinha de vida, senti uma ansiedade diante da fantasia do que faria se, ao abrir a porta, a mãe não estivesse lá, embora eu soubesse que isso não ia acontecer. Entendi um pouco do que a criança sentia. Dividi com ela aquele momento de desamparo. Assim, pude ampará-la.
   Ela me olhou e sorriu. Às vezes o espaço terapêutico nos oferece um canal direto ao que de mais íntimo há no outro. Eu havia conseguido usar este canal.

                                                           


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