sexta-feira, 27 de abril de 2012

De cara limpa


   Uma vez fui com Luíz Horácio, pai da minha filha Luísa, a uma festa de fim de ano na casa do jornalista e escritor Fausto Wolff.
   Já teria sido um dia memorável pelo nada simples fato de estar no mesmo evento que Aldir Blanc, por quem nutro grande admiração. Mas lembro de um diálogo que tive com Fausto, e que até hoje costuma me vir à mente. Ele perguntou:
   - Quer cerveja?
   - Não, obrigada.
   - Vodca?
   -Não.
   -Vinho, whisky, champagne? O que você bebe?
   - Obrigada, eu não bebo...
   Ele olhou para mim muito sério, para depois questionar, com sua voz inconfundível:
   - É cocaína que você usa?
   - Não. Não uso cocaína.
   - Como você consegue viver de cara limpa?
   Tive vontade de responder que minha cara não era tão limpa, porque de vez em quando eu mandava um tarja preta sublingual (fraquinho, é verdade...) mas, de qualquer forma, refleti sobre o que ele dissera. Vivemos em uma época em que não podemos estar tristes, ansiosos, angustiados, assustados, que vem logo um diagnóstico de saúde mental para nos carimbar. Não podemos estar sem vontade de fazer sexo, com muita vontade de comer chocolate e não sair da cama, nem fazer o sinal da cruz ao entrar num avião.
   Temos que ser lindos, jovens, sensuais e radiantes. Destemidos, descolados, ricos e bronzeados (não exageradamente, por causa do câncer de pele). Não comer carboidratos, nem gordura, malhar, ser bons profissionais (famosos de preferência), filhos exemplares e excelentes pais. O problema é que não dá para ser isso tudo e ser humano ao mesmo tempo. Aí, só com cerveja, vinho e vodca. Ou um  tarjinha preta, usado com moderação...