domingo, 31 de outubro de 2010

ARTETERAPIA E ENVELHECIMENTO
(Texto publicado originalmente no livro "Arteterapia com idosos - ensaios e relatos", de Vanessa Coutinho - WAK Ed.)

Algumas histórias entram em nossas vidas de uma forma singular. Anos mais tarde, podemos não nos lembrar de quem contou, quando contou, ou em quais circunstâncias. Mas lembramos, sempre, daquilo que aprendemos com elas. Eu tenho algumas dessas histórias especiais guardadas na memória e, eventualmente, as uso em alguma aula. Gosto que meus alunos possam ouvir exemplos daquilo que estudamos vindos de minha experiência com pessoas reais. Eles me ouvem e podem reconhecer uma vida, e não um relatório, um laudo ou uma avaliação. Por isso, sempre recomendo àqueles que queiram lecionar para alunos de terceiro grau que, em se tratando de ciências humanas, não se dediquem somente à sala de aula, ou a projetos de pesquisa. Não se tornem teóricos de gabinete. Essa prática nos faz perder a vitalidade do discurso. Mas esse é um outro tema... Voltemos à minha história, que é a história de um homem que cultivava bonsais. Para quem não sabe, bonsais são mini árvores, que, justamente por serem pequenas e frágeis, requerem um ritual de cuidados muito rigoroso, além de estudo, dedicação e paciência. Pois bem, havia um homem que cultivava bonsais, e esse era um dos grandes prazeres de sua vida. Tinha vários deles, de formatos, cores e aromas diferentes. De vez em quando, juntava suas ferramentas de jardinagem e fazia uma discreta poda em algum. Passados alguns dias, podia fazer o mesmo com outro. E comentava: “agora, daqui a uns quatro anos, vai ser preciso outra poda... depois, mais uns três anos e será a hora de trocar a bandeja...”. O maravilhoso dessa história é que esse homem tinha bem mais de oitenta anos. E, mesmo assim, estava ligado à vida, fazendo planos para o futuro, criando, experimentando.
   Por vezes, nossas mentes são inundadas de crenças limitantes. Acreditamos que não podemos fazer determinadas coisas, é praticamente um processo de auto-hipnose. Podemos pensar que não podemos fazer certas coisas por sermos mulheres, ou homens, ou gordos, ou baixos, ou pobres, ou casados, ou velhos...




   A história dos bonsais me faz lembrar do processo arteterapêutico, uma vez que, em ambos, mais importante do que o produto é o processo. Quando recebemos alguém no consultório, deixamos claro que não importa o quanto se considere (ou não) “talentoso”, na concepção usual do termo. O que buscaremos é uma possibilidade plena de expressão através das imagens, e também a compreensão dos símbolos contidos nas mesmas. Além disso, será observada a relação do sujeito com os materiais: o que mais lhe atrai, o que lhe repulsa, aquele com o qual tem maior intimidade, aquele que o deixa desconfortável, como flui seu processo criativo... Somos acompanhantes atentos de todo o processo, do início ao fim. Atentos, sobretudo, à linguagem não-verbal, o que seu corpo, seu tônus, sua expressão facial, nos transmitem sem palavras.
   Não duvido que o homem que citei no início do texto chegue a concluir seus planos com relação às suas plantinhas. Então, ele fará novos planos. É óbvio que, em algum momento, elas precisarão ser passadas a outro bonsaísta, mas isso é o que menos importa. Porque, enquanto estiver vivo, esse homem estará comprometido com a vida. A voz popular, com sua sabedoria simples e direta, nos alerta o tempo inteiro, em falas como “só não há solução para a morte”, “a morte é certa”, e outros ditos de semelhante teor. Mas, e a vida? A vida também é certa, estamos aqui para vivê-la. Jung disse que não se  deve tentar ser perfeito, e sim ser completo, tivesse isso qualquer significado. Saber o que é ser completo para cada um de nós, e realizar essa completude, é a missão. Ter algum temor da morte é natural e até instintivo. Mas deixar de vivenciar experiências e possibilidades por causa da suposta proximidade da morte é uma grande injustiça com a vida.
   Existe um aspecto simbólico dos bonsais que acho interessante: quanto mais velhos, mais valor eles têm. No oriente, os idosos também têm um lugar social ligado à sabedoria e à transmissão de conhecimento, mas nós, ocidentais, há muito deixamos de enxergar esse aspecto. Culturalmente, envelhecer parece um castigo, quando é apenas mais uma fase do ciclo vital. A corrida insana rumo às cirurgias plásticas que se tornou febre em nosso país (e no mundo) é um sintoma de adoecimento e alienação. Perdemos o contato com nossa essência, nos empenhamos em parecer o que não somos. Algumas pessoas (quem não conhece alguém que faça isso?) mentem a idade ou chegam a adulterar carteiras de identidade para provar aos outros que têm uma idade que sabem não ter. A quem querem enganar: aos outros, a si mesmos ou ao tempo?
   Espero que nosso amigo bonsaísta ainda cultive bonsais. São pequenos milagres como esses, que nos alimentam de novos saberes e se transformam em histórias que podemos passar adiante, que acontecem todos os dias e nós, tão anestesiados, acabamos por não ver...

PSICOLOGIA E LITERATURA

"O estrangeiro", de Albert Camus
" 'O estrangeiro', escrito em 1957, é o mais pop(ular) dos livros do francês nascido na Argélia Albert Camus (...). Tão popular porque, à parte ser a seca narrativa das desventuras de Mersault, condenado à morte por matar um árabe a troco de nada, é também a narrativa das desventuras de um homem do sec. XX. Uma espécie de autobiografia de todo mundo (...). Compreende-se, portanto, que Absurdo e Liberdade são faces da mesma moeda. Quando Mersault descobre que uma implica na outra, afinal encontra a paz. É a história dessa compreensão, desse encontro, que Camus nos propõe. Uma espécie um tanto perversa de livro de auto-ajuda". - Arthur Dapieve

PSICOLOGIA E CINEMA

"Abraços Partidos" de Pedro Almodóvar
"Em um trágico acidente de carro, o cineasta Mateo Blanco perde a visão e a sua amada Lena. Já que não pode mais exercer sua profissão, ele passa a sobreviver com a idéia de que Blanco morreu, e troca sua identidade para Harry Caine (...). 'Abraços Partidos' é um turbilhão de sentimentos explosivos e candentes."
Espero comentários...

sábado, 30 de outubro de 2010

ESPAÇO DO POETA

"Tenho em mim todos os sonhos do mundo." Fernando Pessoa

Muitas vezes sabemos que precisamos buscar um processo psicoterapêutico, e não o fazemos por acreditarmos que não poderemos arcar com os custos. Acredite, você pode! Entre em contato e descubra!
Mande-me um e-mail e entraremos em contato.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

ARTE-EDUCAÇÃO E INCLUSÃO
(Texto publicado originalmente no livro "Arteterapia com Crianças" de Vanessa Coutinho - WAK editora)

          O interesse pela educação, com ênfase em educação de portadores de necessidades especiais, fez nascer esse ensaio. Além do citado interesse, a crença de que uma das faces perversas deste sistema sócio-econômico recai justamente sobre a educação. Vende-se a idéia de que, por meio dela, qualquer sujeito poderá galgar os degraus da ascensão social. Se isto não se constitui em uma mentira, parece claro que também não representa uma verdade.
          O que dizer então daquele que possui alguma diferença, uma marca peculiar que o torna necessitado de uma atenção específica, de um tempo próprio para que os processos se deem? Como será para eles, a experiência de criar um vínculo positivo que os estimule a continuar sua formação? Esta é uma questão fundamental, principalmente quando se leva em conta que a educação não é entretenimento e sim um dos fundamentos de formação da cidadania de um povo.



                



          Como garantir a escolha de um local mais adequado para o estudante portador de necessidades especiais, com métodos pedagógicos adaptados e profissionais preparados para acolher sua demanda? Como evitar que a educação inclusiva se torne uma prática de segregação e estigmatização, prejudicando o vínculo do aprendente com a instituição escola e o processo ensino-aprendizagem?
          Quando matriculadas em escolas, regulares ou não, é preciso que haja uma preocupação redobrada no que diz respeito ao corpo técnico e à metodologia, para que as crianças portadoras de necessidades especiais não reforcem em si a sensação de falta, de não pertinência. É preciso atenção para que se evite que ela construa sua percepção pessoal como sendo um sujeito incapaz. (...)
          Sabe-se que o processo de aprendizagem necessita do estabelecimento de um vínculo positivo para se dar, além de ser absolutamente necessário que o aprendiz deseje aprender. Naturalmente que, neste momento delicado, o fato de ter de travar lutas interiores de autopercepção e autoaceitação de suas diferenças pode funcionar como um fator dificultador da criação deste vínculo. A arte, por suas características libertadoras e organizadoras, pode se constituir em uma excelente trilha para que a escolarização dos portadores de diferenças (e dos não portadores também), se dê de forma mais prazerosa, respeitando potencialidades únicas e tempos próprios, em uma construção que é singular para cada aluno.
         E você, o que acha? Opine. Depois continuamos este papo...


ESPAÇO DO POETA

"O poeta escreve poesia para ser criança todo dia."
Fernando Paixão


PSICOLOGIA E LITERATURA

Do mestre Machado de Assis, dois contos "psicológicos": "O Alienista" e "A Cartomante".
Quem não leu, leia.
Quem já leu, deixe um comentário...

CARL GUSTAV JUNG

  "Pelo amor de Deus, não seja perfeito. Mas tente, de todas as formas ser completo, tenha isso o significado que tiver."

PARA NÓS QUE SOMOS PROFESSORES - parte II

Por Vanessa Coutinho





 
Lembro perfeitamente de uma estudante de pós-graduação, que contou um fato ao qual não posso
deixar de reproduzir. Ela havia solicitado, na aula anterior, que seus alunos trouxessem uma redação
sobre algum tema que lhes interessasse muito. No dia de apresentá-la, ela sorteou alguns números da
pauta para que lessem em voz alta o que haviam produzido. E foi um festival de histórias sobre
parentes, amigos, férias, viagens, e outros temas comuns à adolescência. Por fim, um jovem pediu
para ler seu trabalho. Ao anunciar sobre o que escrevera, lançou um olhar para a professora,
certamente esperando que ela não permitisse a leitura, e vetasse sua história. Ele leria um ensaio,
fruto de uma extensa pesquisa pessoal, no qual narrava como se formou um dos maiores comandos
criminosos da cidade do Rio de Janeiro. Obviamente, essa história tinha, para ele, um significado além
da curiosidade investigativa. O que fazer depois, como transformar e ressignificar aquela tarefa, era
uma outra história. Democraticamente, era preciso deixá-lo falar, uma vez que seu tema, apesar de
polêmico (como ele sabia ser), não era desrespeitoso ou ofensivo a nenhum dos integrantes da turma
ou à professora. Esta, ao permitir que o aluno lesse e ao considerar sua voz, permitiu que um vínculo
se formasse. Se não tivesse permitido, romperia esse vínculo, talvez de maneira definitiva.
Paulo Freire nos fala sobre a concepção “bancária” da educação (aquela que enche o corpo
discente de conteúdos) como instrumento de opressão. Ao oprimir os alunos, achatá-los, aliená-los, o
docente acaba por se alienar também, isso é inevitável. Se existe uma porta que liga uma pessoa à
outra e essa porta é fechada, ambas encontram-se isoladas. Freire observa que o caráter mais
marcante da relação educador-educando é o de ser narradora, o que a torna quase morta. Um expõe
o saber sobre o qual muitas vezes não refletiu, apenas decorou e outros, passivamente, ouvem. Paulo Freire fala da existência uma quase enfermidade da narração, cuja  tônica seja preponderantemente narrar,
. Freire revela o absurdo de trazer assuntos totalmente alheios à realidade
existencial dos alunos. Pois bem, acredito que sejam também alheios à realidade existencial do
professor. Não há vida nem em um lado, nem em outro.
Jorge Sosa diz que ensinar e aprender não são meros atos impessoais, relacionam o sujeito com o
que de mais íntimo há em seu ser. Não podemos encarar a função docente com o olhar meramente
profissional. Acabamos tão implicados em uma trama inconsciente, que os afetos se apresentam e se
impõe, e se não estivermos atentos a isso, corremos o risco de sucumbir e adoecer. E até que ponto
os docentes são preparados para encarar esse desafio interno? Nas formações de terapeutas, a
todo momento é amplamente anunciada a necessidade de buscar sua própria terapia, buscar
supervisão, grupos de estudo, etc. E os professores? Não conheço nenhuma formação profissional
que explicite que o professor precisa fazer terapia, precisa se conhecer, precisa se cuidar
emocionalmente, precisa de um supervisor que o auxilie em momentos delicados como os relatados
acima. Dizem sim, que é preciso dominar a matéria, dominar a turma, dominar a didática, dominar,
dominar, dominar... Até que um dia surgem as crises de fobia, de pânico, de angústia. Por que
angústia se os planos de curso estão prontos? Por que pânico se o livro didático está sendo bem
utilizado? Por que fobia se conseguem responder a qualquer pergunta sobre a disciplina? Como canta
Caetano Veloso: “alguma coisa está fora da ordem...”

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

CARL GUSTAV JUNG

"Não posso lhe dizer como é um homem que goza de uma completa auto-realização, nunca vi nenhum..."


         QUÍRON 
         por Vanessa Coutinho        

          Desde que tomei conhecimento do mito do centauro Quíron, o curador-ferido, durante uma aula no curso de formação em arteterapia, identifiquei-me com ele.
          A idéia de que, ao estudar e me especializar para prestar um atendimento cada vez melhor às pessoas que procuram meu consultório, eu acabe por mergulhar em possibilidades maiores de compreensão de minhas próprias questões, medos e inseguranças, para mim faz imenso sentido.
          A busca da cura da minha “ferida”, à semelhança de Quíron, me leva em um caminho fecundo de transformação e crescente sensibilidade no que se refere à “ferida” que o Outro me expõe durante as sessões.



PSICOLOGIA E LITERATURA

"Verão no Aquário" de Lygia Fagundes Telles. Inesquecível e provocador.


PARA NÓS, QUE SOMOS PROFESSORES
Por Vanessa Coutinho

Não são poucos os casos de docentes que adoecem, se licenciam e até se aposentam
precocemente justo por sua ocupação profissional. Não há como negar, hoje, que esta seja uma das
profissões com maior número de casos de afastamento pelas mais diversas formas de estafa,
sintomas psicossomáticos e outras modalidades de sofrimento subjetivo.
Em minha experiência, já me deparei com situações que provocaram longos momentos de reflexão.
Reproduzirei uma a seguir:
Fui convidada a dar uma oficina de arteterapia para um grupo de professores estaduais, para que
pudéssemos, juntos, refletir a respeito de seu ofício. Uma das professoras dividiu conosco sua
história. No primeiro dia de aula para uma turma de adolescentes, ao se aproximar da sala, viu um dos
alunos tocando cavaquinho. A professora comentou: “muito bem, temos um pagodeiro”. O jovem olhou
para ela e respondeu: “pagodeiro, não. Eu sou sambista!”.A professora relatou ter visto intenso ódio e
agressividade no olhar lançado pelo aluno, e esse olhar a perturbou de tal maneira, que jamais pode
se sentir à vontade dando aula para essa turma. Percebia-se ameaçada, acuada, desanimada, e, se
possível fosse, chegaria a pedir transferência.
Relato este caso, dentre dezenas que poderia trazer para ilustrar essa reflexão, por considerá-lo
emblemático. Que força tão poderosa teria esse olhar, que, naturalmente, não era o olhar de nosso
jovem sambista, mas o olhar de tantos e tantos alunos que não conseguem se relacionar com seus
professores, queimam seus cabelos, furam os pneus de seus carros, dão-lhes presentes com
bombas de fabricação caseira que, ao serem abertos, deformam suas mãos? Todos esses exemplos vêm da vida real, docentes passaram por essas e
outras inúmeras situações, algumas causadoras de tal perplexidade que foram parar nos noticiários.
É sobre esse vínculo rompido, esse diálogo que vai se impossibilitando, que se constrói esse ensaio,
porém, seu ponto de interesse é o professor, sua dor, seu “sacro ofício”.
Naturalmente podemos supor que não estivesse o olhar deste aluno tão carregado de agressividade
quanto foi visto pela professora. Ou, se estivesse, talvez esse “desentendimento” pudesse ser
transposto com uma conversa franca. Porém, foi esse olhar ameaçador que a professora viu, para
ela, isso foi real.
Parece óbvio que esse confronto tão comum em nossos dias entre docentes e alunos é um
fenômeno multifatorial. Fala, ou melhor, grita, expondo uma série de feridas abertas que possuem sua
origem na sociedade, nas relações, na formação técnica dos professores, mas, sem dúvida, não
podemos deixar de tentar compreender os afetos inconscientes envolvidos, e é sobre esse ponto que
pretendo aprofundar a discussão.






 Será fato que vivemos uma crise de valores? Que as instituições sobre as quais se construíam as
crenças e ideais sociais estão ruindo? Talvez. Há um tempo os mestres eram aqueles que portavam
um poder, uma vez que saber é poder. E as crianças e jovens desejavam também desfrutar desse
saber, para também participar do poder. Hoje, há diversas formas de poder que não vêm do saber
formal, aquele que é fruto da escolarização. Em certa ocasião, trabalhei com um menino de dez anos,
morador de uma comunidade carente dominada pelo tráfico de entorpecentes. Era um menino
inteligente, com bastante talento em algumas áreas específicas, como desenho e dança. A grande
preocupação da tutora era que ele não começasse a se envolver com a contravenção, que segundo
nos foi informado, já começava a se interessar por ele. A equipe na qual eu me inseria tentava,
através da valorização dos talentos do menino, trabalhar seus valores, sua auto-estima, sua auto-
imagem. Um dia, ele chegou à instituição com dinheiro, que disse ter ganhado pelo auxílio no transporte
alternativo (ilegal, é importante esclarecer) que levava os moradores até o alto do morro, pois as
linhas regulares não fazem esse percurso. Ele ia junto ao motorista da Kombi, responsável por
receber o valor das passagens. Pois bem, o dinheiro que ele trazia no bolso por “meio período de
trabalho” era mais do que nós, educadores, ganhávamos por dia. Para ele isso era um valor, e de fato
era, embora não seja o único. Alguns professores se sentiram afrontados, e anunciaram não poder
continuar atendendo a esse menino, uma vez que não haveria como convencê-lo a se manter fora
desse movimento, pois não poderíamos lhe garantir tão alto ganho em uma profissão “honesta”, já que
nem mesmo ganhávamos tanto quanto ele ganhou. De que valores falamos? Por que a única forma de
valorizar (ou não) uma escolha de vida se pauta nos ganhos materiais? No entender de vários
integrantes da equipe, ganhar bem, ganhar muito, ganhar mais, era um argumento irrefutável,
impossível de ser transposto. Um muro. Mais um dos muros que, sem perceber, construímos entre
nossos alunos e nós. Talvez essa fosse uma crença deles. Seria uma crença do menino? Alguns não
se preocuparam em entender se, ao trazer aquelas notas, ele não estaria pedindo ajuda, ou apenas
dividindo conosco um pedaço de sua vida. Viram apenas uma afronta. E, ao se perceberem
afrontados, cortaram o vínculo, pularam do barco.
É muito comum ouvirmos que professores são mal remunerados, professores ganham mal, muito
mal. Isso já foi tão falado e repetido que se transformou em um conceito que se propaga, e as
pessoas repetem e repetem sem nem mesmo procurar saber se é ou não verdade. E, afinal, o que é
ganhar mal? Volto a perguntar: de que valores falamos? Parece que não é da cifra. Claro é que os
profissionais de educação merecem uma remuneração mais justa, mas talvez sejam as condições de
trabalho que precisem ser revistas, e isso é muito mais do que o valor de seus salários. Mas isso é
uma discussão para mais adiante.
Por outro lado, o que muito se percebe é que o ofício de professor transformou-se, pouco a pouco,
em uma mera transmissão de conteúdo. A opinião, a autoria de pensamento, como diria Alicia
Fernández, que tanta falta faz ao estudante, também faz falta ao docente. Em sua maioria, as aulas
são programadas em série, sem que haja a preocupação com o perfil do grupo, da escola, dos alunos.
E o professor, que precisa, para sobreviver financeiramente, de um tempo de dedicação em geral
acima do que seria saudável para ele, se conforma (se prende numa forma) em transmitir, sem que
haja uma discussão, uma reflexão, um debate. Ele se anestesia, já não lembra se concorda ou não
com os conceitos que repete. Tal o operário da fábrica chapliniana, aperta parafusos... Imobilidade é uma palavra
carregada de sentidos. Quem está imóvel está improdutivo. E o mestre deveria ser aquele que,
através da sua produção de pensamentos e reflexões, e o estímulo de debates, demonstra ao
discípulo que pensar e criar são atos prazerosos. Ler o que está nos livros é uma atividade solitária.
Mas debater implica dar voz ao aluno. E, neste momento, percebe-se claramente que um fio está
cortado. O que pode esse aluno me dizer? E, se eu lhe der voz, será que conseguirei manter minha
autoridade? Melhor não arriscar.

ESPAÇO DO POETA

TODO RISCO, de Damário Dacruz
                                                                             
A possibilidade
de arriscar
é que nos faz homens.

Voo perfeito
no espaço que criamos.

Ninguém decide
sobre os passos
que evitamos.

Certeza
de que não somos pássaros
e que voamos.

Tristeza
de que não vamos
por medo dos caminhos.              

PSICOLOGIA E LITERATURA

"Dom Casmurro", romance de Machado de Assis, que nos apresentou uma das mais fascinantes personagens femininas da literatura brasileira: Capitu, com seus "olhos de ressaca". Vale a pena mergulhar nessa viagem literária, de qualidade inegável. Uma lição do que é literatura, e um desafio para aqueles que pretendem desvendar os enigmas contidos no suposto triângulo amoroso, talvez o mais célebre das nossas páginas...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

SUGESTÃO DE LEITURA

"O Mundo das Imagens" de Nise da Silveira, Ed. Ática
"Sempre me fascinaram as explorações do mundo intrapsíquico. Foi com a intenção de fazer sondagens nesse mundo que estudei atentamente o desconexo palavreado dos esquizofrênicos; que observei sua mímica, seus gestos, seus atos, quer estivessem inativos quer na prática de atividades; que me debrucei sobre as imagens por eles livremente pintadas. (...)
Um dos caminhos menos difíceis que encontrei para o acesso ao mundo interno do esquizofrênico foi dar-lhe a oportunidade de desenhar, pintar ou modelar com toda a liberdade. Nas imagens assim configuradas teremos auto-retratos da situação psíquica, imagens muitas vezes fragmentadas, extravagantes, mas que ficam aprisionadas no papel, tela ou barro. Poderemos sempre voltar a estudá-las. (...)
Foi observando-os e às imagens que configuravam, que aprendi a respeitá-los como pessoas, e desaprendi muito do que havia aprendido na psiquiatria tradicional. Minha escola foram esses ateliers."
Nise da Silveira

terça-feira, 26 de outubro de 2010

EU LI...

... em O Globo on line que o "pai de Joanna (Marins) é preso por tortura e homicídio". Não é meu papel julgar nem condenar, mas essa é uma notícia fundamental para nós, que fazemos parte da corrente pelo fim da violência contra as crianças. Quem sabe agora, as pessoas que testemunham maus-tratos se sintam mais encorajadas a denunciar o que sabem antes que seja tarde demais, e mais um indefeso perca sua vida tão prematuramente.

PSICOLOGIA E CINEMA

"Dirigindo no Escuro", de Woody Allen. Vale uma visita à locadora. Leia o resumo do filme: "Val Waxman é um genial cineasta que já ganhou dois Oscar, mas que não faz sucesso há anos. Ellie, sua ex-mulher, é a namorada de um poderoso produtor de um grande filme, que indica Val para dirigi-lo. Pouco antes de começar as filmagens, ansioso com a oportunidade de voltar aos grandes dias, ele adquire uma estranha cegueira psicológica. Ajudado por um intérprete chinês e sem saber o que está fazendo, Val inicia as filmagens e uma série de engraçadas confusões começa a acontecer."

domingo, 24 de outubro de 2010

EU LI...

... na revista Lola, de outubro de 2010, um texto da filósofa Márcia Tiburi, falando sobre a culpa. Um pedacinho para vocês: "A filosofia não se ocupou muito da questão até que o alemão Friedrich Nietzsche (1844 - 1900) sustentou uma contundente crítica da moral vigente na época como análise do sentimento de culpa. Ele entende a culpa como o ressentimento que, em vez de ser lançado para o outro, é dirigido a si mesmo. A culpa nasce de uma obrigação de fazer promessas que se transforma em incapacidade de cumpri-las, e daí passa a valer como dívida que, impagável, se volta contra quem a contraiu."
Quem puder, busque ler o texto na íntegra. Vale a pena!

sábado, 23 de outubro de 2010

ARTETERAPIA: ALGUMAS PALAVRAS

Por Vanessa Coutinho

(Texto originalmente publicado no livro "Arteterapia com idosos - ensaios e relatos" de Vanessa Coutinho, WAK Editora)

          Arteterapia, em uma definição bem simples, seria a terapia através da arte. Da produção de imagens que, alheias a julgamentos estéticos, funcionarão como mapas simbólicos rumo aos conteúdos inconscientes.

          Tenho razões para crer que a arteterapia pode ser muito eficaz. O ser humano costuma ter um bom domínio da palavra e, sejamos honestos, mentimos muito para nós mesmos. É óbvio que um terapeuta experiente é perfeitamente capaz de uma compreensão bastante abrangente a partir da análise do discurso, em suas associações, trocas, lapsos, esquecimentos. Jamais levantaria a bandeira de que uma forma de trabalhar é a única ou a melhor. Ela é, apenas, uma forma de trabalhar.

          Como dizia C. G. Jung: "só a própria pessoa tem o poder da cura". Partindo dessa afirmação, sustento que a grande função da terapia é a possibilidade de auto-conhecimento. Não o raso, que se abriga no ego, mas o profundo, que pode ser doído em seus primeiros passos, mas oferece o pote de ouro no final. E, por falar em ouro, ouso dizer que a alquimia primordial é aquela pela qual nos transformamos em nós mesmos. E a oportunidade de materializar nossas imagens e personagens internas favorece essa transformação.

          O exercício da criação, seja de imagens, sons,movimentos, e o posterior confronto com o que é criado, são aspectos da arteterapia: "o fazer criativo sempre estará carregado da subjetividade de quem o exerce, e a expressará em plenitude através dos diversos símbolos empregados nas imagens que surjam. Desta forma, através de uma observação mais cuidadosa, possibilitada pela relação terapêutica, as construções e criações reveladas constituem-se em meios de auto-conhecimento que, bem compreendidos, podem auxiliar no desenvolvimento do ser". (COUTINHO, 2005).





          Particularmente, acredito na necessidade de uma mudança na maneira de enxergar a relação terapêutica. É muito comum que ela se paute em conceitos médicos, tais como "tratamento", "paciente", "cura", "doença", etc. Esta visão traz embutida uma dimensão de poder sobre o outro que, se para algumas linhas de condução pode ser instrumento, pode também configurar-se na perpetuação de uma forma inadequada de se lidar com as próprias potencialidades. Ao depositar no terapeuta toda a expectativa do êxito, o sujeito se esvazia da responsabilidade por seu próprio bem-estar e saúde psíquica. Considero mais produtiva a percepção de que os elementos da relação terapêutica são co-participantes. O terapeuta funciona ora como um espelho, ora como um acompanhante que traz nas mãos uma pequena luz, a fim de ajudar o outro a enxergar com mais clareza o "chão" em que pisa. Mas o terapeuta não é o guia da jornada. Quem traça o rumo é o sujeito do processo.

          Assim, munidos de alguns materiais plásticos e de muita sinceridade, desenhar esse "mapa" não apenas pode ser favorável, como costuma ser transformador. Descobrimos que nossos "monstros" têm o aspecto que lhes demos e, afinal, podemos não matá-los,mas, o que é melhor, dialogar com eles e torná-los menos assustadores.

PSICOLOGIA E CINEMA

Procurem na locadora o filme "Caráter" de Mike Van Diem.
Assistam e comentem. Compartilhem. É muuuuito interessante!

SUGESTÃO DE LEITURA

"Mulheres que correm com os lobos - Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem"
Clarissa Pinkola Estés
Um clássico! Leiam e comentem...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A CRIANÇA E A ARTE

(Texto publicado originalmente no livro "Arteterapia com Crianças" de Vanessa Coutinho - WAK Editora)









          Desde o nascimento, temos forte necessidade de nos expressar. A princípio, guiados pelo instinto de sobrevivência e, com o passar do tempo, por uma infinidade de outras razões. Expressar, comunicar, relacionar são verbos que a humanidade busca desde seus primórdios, e o bebê, desde seus primeiros momentos.
     
          O brincar é uma das mais claras formas que a criança tem de livre expressão, e inúmeros foram e são os cientistas do comportamento que se dedicaram ao estudo da brincadeira das crianças. Segundo Read, o termo que melhor traduz o oposto de espontâneo é contido. Dessa forma, se alguém se expressa espontaneamente, se expressa sem contenção, realizando externamenteuma vontade ou atividade interna.

          Existem discussões que buscam apontar se o brincar seria uma forma de arte ou a arte seria uma forma de brincar. Não entrarei nesse mérito, uma vez que considero suficiente que saibamos serem ambos, o brincar e a arte, formas de expressão possíveis de serem utilizadas pelas crianças.

          Ao pintar, desenhar, modelar, a criança se encontra diante de múltiplas possibilidades criativas, explorando os materiais, o que se constitui em uma atividade enriquecedora, que combina e aguça todos os sentidos. Não há necessidade de "ensinar" a criança. Ela deverá ter tempo para entrar em contato com o material, experimentar, tentar,ousar, vivenciar.

          Cabe ao adulto acompanhar este processo para que a experiência seja segura (se a criança estiver na fase de desenvolvimento em que leva os objetos à boca, a tinta oferecida deverá ser comestível, por exemplo), estimulando as crianças, aceitando suas produções sem julgamentos de natureza estética, sem apontar "erros" ou "equívocos", pois aquela é a sua possibilidade de registro afetivo, de externalização de seu mundo interior. A partir daí, sempre respeitando as possibilidades de elaboração características da idade e do momento cognitivo em que se encontre a criança, o processo segue naturalmente, com a conversa sobre a produção e os afetos despertados pela vivência.